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“Diálogos Brasil-França”: Ministro Sergio Moro defende cooperação internacional contra lavagem de dinheiro

por publicado: 14/05/2019 16h08 última modificação: 15/05/2019 10h47
Seminário recebe autoridades francesas para aperfeiçoar políticas de bloqueio e gestão de ativos de criminosos

Brasília, 14/05/2019 – A cooperação internacional é fundamental para rastrear o patrimônio ilícito de organizações criminosas e punir crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Assim avaliou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, ao participar da mesa de abertura do segundo dia do seminário bilateral “Diálogos Brasil-França: Persecução Penal e Gestão de Ativos”, realizado pelo ministério em parceria com a agência francesa de gestão de ativos (AGRASC) e a Embaixada da França no Brasil, nestas segunda-feira (13) e terça-feira (14).

“Este evento foi concebido com a velha ideia de fazer com que o crime não compense. A melhor forma de combater organizações criminosas, sejam elas aquelas ligadas à corrupção, ao tráfico de drogas, ao tráfico de armas, ao tráfico de pessoas, ou dedicadas à prática financiamento ao terrorismo, é privá-las do produto e do instrumento de suas atividades. Não basta que o criminoso enfrente a prisão, é importante privá-lo dos recursos necessários à sua atividade”, frisou o ministro.

Moro também adiantou estar “no forno” uma Medida Provisória (MP), a ser editada em breve pelo governo e enviada ao Congresso Nacional, para facilitar os procedimentos de venda de bens apreendidos pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). A MP permitirá alienar esses ativos – bens móveis e imóveis - e utilizar os recursos mesmo antes do trânsito em julgado (decisão definitiva) na Justiça, “ já que a taxa de reversão dessas decisões é muito pequena e, caso ocorra, o dinheiro pode ser devolvido”.

Há preocupações de Moro quanto à necessidade de aprimorar a legislação brasileira, hoje “ultrapassada” em relação aos parâmetros europeus de gestão de bloqueio de ativos. Nesse sentido, o ministro defendeu a proposta, contida no projeto anticrime apresentado ao Congresso Nacional, que permite o chamado “confisco alargado”. Esse confisco já existe na França e em outros países europeus, sendo direcionado especialmente a “profissionais do crime”, a pessoas que se dedicam profissionalmente à atividade criminal.

“Estamos batalhando. Pela gravidade e extensão dos crimes praticados, em vários países há previsão de um confisco mais amplo, que atinge todo o patrimônio que não pode ser justificado como tendo origem lítica”, explicou o ministro. Como exemplo, Moro ilustrou que um traficante de drogas no Brasil, dada sua atividade profissional, ficaria sujeito ao confisco criminal, ou perdimento alargado, de todo o seu patrimônio.

O modelo francês

Presentes no colóquio, representantes do governo e do Judiciário franceses defenderam o estreitamento da parceria com as autoridades brasileiras, ressaltaram o poder de autofinanciamento da AGRASC por meio da própria venda dos bens e enfatizaram que a criminalidade econômico-financeira tem sido atacada com a política de sequestrar/confiscar o patrimônio de criminosos.

Ex-presidente do Conselho de Administração da AGRASC e ex-procurador-geral perante a Corte de Apelação de Aix-en-Provance, Jean-Marie Huet ressaltou que a AGRASC se tornou “alavanca de modernização das políticas públicas em matéria penal na França”. O diferencial de sucesso da iniciativa decorreu de entendimentos consolidados entre os três Poderes: “A AGRASC é fruto do consenso ventre Legislativo, Executivo e Judiciário. Para termos sucesso, foi necessário aprovar uma lei e foi preciso investir em formação de servidores de toda a cadeia penal. A AGRASC tem um valor agregado incontestável e convenceu aos atores da Justiça”.

Em paralelo à AGRASC, a França instituiu oito varas especializadas em cuidar regionalmente do julgamento de casos mais complexos de crime organizado e crime financeiros. Em 2016, os franceses criaram, ainda, uma agência nacional anticorrupção. Uma unidade de gestão imobiliária também controla e dá manutenção ao acervo patrimonial apreendido. “A cultura dessas apreensões se difundiu na França. Imóveis foram vendidos pela agência”, afirmou Huet.

A AGRASC se autofinancia desde 2012. “Não custa um tostão para o contribuinte francês”, destacou, vez que seu orçamento advém de parte dos recursos arrecadados com a venda dos bens confiscados. “Isso assegura a gestão da AGRASC”. Huet também destacou a vontade comum dos dois países em combater o crime e devolver os bens sequestrados em forma de recursos públicos para a população.  “Compartilhamos os mesmos valores. Este colóquio é um sinal muito forte de que Brasil e França estão alinhados na luta eficaz contra a corrupção e a delinquência econômico-financeira. E nada é eficaz sem cooperação internacional”. 

 

R$ 2 bilhões repatriados

Assim como Moro e demais autoridades, a Procuradora Geral da República Raquel Dodge reforçou a importância do intercâmbio internacional diante da complexidade dos desafios dos órgãos de investigação. Para ela, a relação entre países é um eficiente caminho para retirar o dinheiro de organizações criminosas e devolver aos cofres públicos o valor “surrupiado”.

Todos temos a ganhar com o intercâmbio de experiências no controle e gestão de bens apreendidos e confiscados. Este diálogo ilumina o cainho do enfrentamento da corrupção e da lavagem de dinheiro. A cooperação internacional é fundamental para enfrentar o crime organizado que ultrapassa fronteiras e desafia os órgãos internos de fiscalização e controle, mas também as Justiças nacionais”, salientou Dodge.

Essa interlocução permite o bloqueio financeiro de ativos de origem ilícita enviados para o exterior, bem como a repatriação desses bens e valores. Um exemplo “fruto de boas relações internacionais do Brasil” destacado pela procuradora-geral da República é que o país repatriou R$ 2 bilhões do exterior nos últimos anos, dos quais mais da metade, cerca de R$ 1,5 bilhão, por meio da Operação Lava Jato. “É preciso recompor o patrimônio público para os serviços que a população necessita”, complementou.

O Brasil avança na parceria institucional para atacar a corrupção “endêmica e sistêmica”, conforme ressaltou secretário especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Richard Pae Kim. Na mesma linha manifestou-se o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Sebastião Alves dos Reis Júnior, para quem “avanços e práticas inovadoras contribuem para nossa prática judiciária conjunta”

Revertendo falhas 

Ao reorganizar a Senad na nova gestão, um dos entraves que o MJSP pretende eliminar são as falhas na recuperação de ativos. A demora para alienar itens apreendidos acaba deteriorando os bens e reduzindo o valor de venda, resultando em menores fontes de recursos retornados à sociedade. No Brasil, o dinheiro arrecadado com a venda desses ativos subsidia investimentos em segurança e na prevenção à dependência química e à prática delitiva.

“Temos que mudar nossa lei e melhorar nossas práticas executivas. Já temos a previsão legal de que os bens apreendidos e sequestrados sejam alienados antecipadamente. Não obstante, não raro vemos esses bens serem perdidos pela falta de adequada gestão e alienação”, reiterou Moro.

O ministério elabora proposta para criar uma agência nacional de gestão e venda de ativos apreendidos em processos criminais envolvendo tráfico de drogas e outros crimes. As experiências francesa e italiana, referências europeias nesse processo, subsidiam o MJSP. O titular da Senad, Luiz Roberto Beggiora, inclusive, visitou a AGRASC em Paris para estudar a expertise do órgão.